Em um cenário de folha salarial avolumada e discurso de baixo desempenho do serviço público, os rumores de uma nova reforma administrativa retoma alguns assuntos sensíveis e promete impactar nos direitos dos servidores públicos.

As discussões envolvem a estrutura das carreiras públicas, remunerações e benefícios dos servidores, bem como sua garantia à estabilidade no cargo. Sem adentrar ao mérito da eventual reforma, serve-nos o debate para destacar a importância da avaliação de desempenho.

Da importância da avaliação de desempenho na Administração Pública

Segundo a Constituição Federal brasileira, duas são as condições para que um servidor venha adquirir estabilidade: (i) efetivo exercício no serviço público por três anos e (ii) ser aprovado por comissão de avaliação especial de desempenho. Vejamos o que dispõe o artigo 41:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

A avaliação de desempenho surge em favor da própria Administração e seus efeitos ecoam na prestação do serviço público ao qual o servidor, agora estável, exercerá suas funções.[1] Trata-se de importante ferramenta na gestão de pessoas, identificando erros e acertos no ambiente de trabalho, não apenas de um indivíduo, mas de toda a equipe.

Sem adentrar no campo da ciência da Administração ou Gestão, que aprofundam e desenvolvem o conceito acima, [1] sublinha-se que a avaliação de desempenho vai ao encontro da eficiência administrativa. Previsto no caput do artigo 37, caput, da Constituição Federal, esse princípio foi acrescentado pela Emenda Constitucional n° 19/98, responsável pela última reforma administrativa no país.

Para o saudoso jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a promulgação da Emenda Constitucional n° 19/98 veio como “um marco da transformação da administração pública burocrática para gerencial, no contexto mais amplo da reforma do Estado brasileiro.” A mudança pretendida vai além de levar competitividade ao setor público, através de critérios de gestão de pessoas e eficiência na prestação dos serviços administrativos, mas também se transfere o foco de interesse administrativo do Estado para o cidadão (MOREIRA NETO, 1999).

Avaliação especial e periódica de desempenho

As avaliações de desempenho podem ser de dois tipos: (i) especial (ou final) e (ii) periódica. A avaliação especial de desempenho, como visto acima, garante ao servidor a estabilidade no cargo público. Dentre os fatores que deverão ser analisados, estão a assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade. [2]

No caso de reprovação na avaliação especial de desempenho, deverá ser aberto processo de exoneração, em momento inferior aos três anos de exercício na função pública. Deve-se atentar, ainda, para a necessária observância à ampla defesa e demais formalidades legais, em respeito ao princípio do devido processo legal, consoante entendimento da Súmula n° 21 do Supremo Tribunal Federal.[3]

Também registramos a possibilidade da avaliação periódica de desempenho, que poderá ocorrer semestral ou anualmente, para fins de percepção de gratificações, progressão e promoção na carreira, ou mesmo de sua exoneração.

É possível a perda de cargo público por insuficiência de desempenho do servidor estável?

No que tange à hipótese de perda do cargo público em razão de mau desempenho, não obstante o dispositivo tenha sido inserido a Constituição Federal pela EC n° 19/98 (artigo 41, §1°, III), trata-se de uma norma constitucional de eficácia limitada[4], inexistindo até a presente data edição de Lei Complementar que descreva os procedimentos necessários para sua efetivação.[5]

Dos critérios necessários à avaliação de desempenho

Muito embora sejam instituídas comissões para esse exercerem as avaliações de desempenho, sabe-se que é a chefia imediata quem realiza a avaliação propriamente dita, em razão de ser esta a pessoa mais próxima do servidor e quem acompanha de perto suas atividades. Ademais, às chefias competem o dever de liderança e planejamento das atividades, de modo que os resultados das avaliações de seus subordinados servirão de elementos essenciais na condução dos trabalhos.

Independentemente do método de avaliação de desempenho, deve-se imperar o princípio da impessoalidade. Com isso, o alvo de análise é o comportamento do servidor público, no exercício de suas funções, e não na figura de sua pessoa, dotada de individualidade, personalidade e identidade variadas. Caso contrário,  corre-se o risco de desvirtuar a finalidade do procedimento, que não é de punir o servidor.

Sendo assim, para evitar arbitrariedades, a avaliação de desempenho deverá sempre se valer de critérios mais objetivos possíveis, sem espaços para subjetivismos que podem refletir eventuais em inimizades e perseguições.

Além disso, uma atenta análise quanto aos motivos do ato administrativo é de extrema relevância, especialmente nos casos em que se tenha encaminhado a exoneração do servidor, passível de invalidação pelo Poder Judiciário.

O objetivo de uma avaliação de desempenho deve ser de capacitar e desenvolver o servidor para que ele bem exerça suas funções, enquanto o seu desligamento será sempre uma eventualidade. Se assim não for, a Administração Pública pode entrar em um ciclo de ineficiência pernicioso.

Por fim, não se pode perder de vista que, mesmo na hipótese de exoneração, os transtornos à Administração permanecerão. Em adição à perda dos investimentos despendidos no servidor desligado por insuficiência de desempenho, o processo de exoneração será seguido de outra inevitável contratação, mediante concurso.  Novos treinamentos e suas respectivas avaliações de desempenho serão necessárias, o que requer novos gastos de tempo e recursos.

NOTAS:

[1] Em caso de ausência de instituição da comissão especial para esse fim ou atraso da avaliação para um período após o aludido triênio, deve-se depreender que o servidor foi tacitamente aprovado. Esse é o entendimento da doutrina de José dos Santos Carvalho filho (2019, p. 723).

[2] Segundo Idalberto Chiavenato (2010, p. 120), “avaliação de desempenho é uma apreciação sistêmica do desempenho de cada pessoa no cargo e do seu potencial de desenvolvimento futuro. Toda avaliação significa um processo de estimar ou julgar o valor, a excelência ou as qualidade de alguma pessoa.”

[3] Vide artigo 20 da Lei n° 8.112/90.

[4] Súmula n° 21 do STF: “Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade.”

[5] Segundo Luís Roberto Barroso (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010 p. 251), “(…) normas de eficácia limitada são as que não receberam do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador ordinário a tarefa de completar a regulamentação das matérias nelas traçadas em princípio ou esquema. Estas normas, contudo, ao contrário do que ocorria com as ditas não autoaplicáveis, não são completamente desprovidas de normatividade. Pelo contrário, são capazes de surtir uma série de efeitos, revogando as normas infraconstitucionais anteriores com elas incompatíveis, constituindo parâmetro para a declaração da inconstitucionalidade por ação e por omissão, e fornecendo conteúdo material para a interpretação das demais normas que compõem o sistema constitucional.”

[6] Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei Complementar n° 51/2019, que regulamenta o procedimento de avaliação periódica de desempenho de servidores públicos estáveis das administrações diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. No Senado Federal, também tramita o Projeto de Lei n° 116, de 2017 que regulamenta o artigo 41, § 1º, III, da Constituição Federal, para dispor sobre a perda do cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público estável.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 23/08/2020.

______. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm>. Acesso em: 23/08/2020.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 723.

CHIAVENATO, Idalberto. Iniciação à Administração de recursos humanos. 4 ed. Barueri: Manole, 2010, 120.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Administração Púbica Gerencial. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Teresópolis, ano 1, n. 2, 1999.

(Trecho de entrevista concedida à Rádio Bandeirantes)